Marcelo Fischborn

Doutor em Filosofia. Professor no Instituto Federal Farroupilha. Autor de Por que pensar assim? Uma introdução à filosofia

  • A passagem abaixo nos ajuda a abordar alguns aspectos do contraste entre empirismo e racionalismo. Nesta passagem, René Descartes (1596-1650) defende que entendemos algumas coisas não a partir dos sentidos, mas a partir de uma inspeção da mente, algo que alguns chamam de intuição. Ainda que a distinção entre empirismo e racionalismo seja mais sutil do que geralmente se suponha, Descartes é geralmente classificado como um racionalista, ao lado de filósofos como Leibniz e Espinoza. O comprometimento aqui é com a tese de que alguns conhecimentos ou conceitos não são derivados da experiência sensorial, muitas vezes com foco em conhecimentos de tipo metafísico ou matemático. No campo oposto, são classificados como empiristas filósofos como Locke, Hume e Reid, comprometidos com afirmar que o conhecimento, em geral ou em algum tema particular, depende sempre do que aprendemos com os sentidos.

    “Comecemos pela consideração das coisas mais comuns e que acreditamos compreender mais distintamente, a saber, os corpos que tocamos e que vemos. Não pretendo falar dos corpos em geral, pois essas noções gerais são ordinariamente mais confusas, porém de qualquer corpo em particular. Tomemos, por exemplo, este pedaço de cera que acaba de ser tirado da colmeia: ele não perdeu ainda a doçura do mel que continha, retém ainda algo do odor das flores de que foi recolhido; sua cor, sua figura, sua grandeza, são patentes; é duro, é frio, tocamo-lo e, se nele batermos, produzirá algum som. Enfim, todas as coisas que podem distintamente fazer conhecer um corpo encontram-se neste.

    Mas eis que, enquanto falo, é aproximado do fogo: o que nele restava de sabor exala-se, o odor se esvai, sua cor se modifica, sua figura se altera, sua grandeza aumenta, ele torna-se líquido, esquenta-se, mal o podemos tocar e, embora nele batamos, nenhum som produzirá. A mesma cera permanece após essa modificação? Cumpre confessar que permanece: e ninguém o pode negar. O que é, pois, que se conhecia deste pedaço de cera com tanta distinção? Certamente não pode ser nada de tudo o que notei nela por intermédio dos sentidos, posto que todas as coisas que se apresentavam ao paladar, ao olfato, ou à visão, ou ao tato, ou à audição, encontram-se mudadas e, no entanto, a mesma cera permanece. Talvez fosse como penso atualmente, a saber, que a cera não era nem essa doçura do mel, nem esse agradável odor das flores, nem essa brancura, nem essa figura, nem esse som, mas somente um corpo que um pouco antes me aparecia sob certas formas e que agora se faz notar sob outras. Mas o que será, falando precisamente, que eu imagino quando a concebo dessa maneira? Consideremo-lo atentamente e, afastando todas as coisas que não pertencem à cera, vejamos o que resta. Certamente nada permanece senão algo de extenso, flexível e mutável. Ora, o que é isto: flexível e mutável? Não estou imaginando que esta cera, sendo redonda, é capaz de se tornar quadrada e de passar do quadrado a uma figura triangular? Certamente não, não é isso, posto que a concebo capaz de receber uma infinidade de modificações similares e eu não poderia, no entanto, percorrer essa infinidade com minha imaginação e, por conseguinte, essa concepção que tenho da cera não se realiza através da minha faculdade de imaginar.

    E, agora, que é essa extensão? Não será ela igualmente desconhecida, já que na cera que se funde ela aumenta e fica ainda maior quando está inteiramente fundida e muito mais ainda quando calor aumenta? E eu não conceberia claramente e segundo a verdade o que é a cera, se não pensasse que é capaz de receber mais variedades segundo a extensão do que jamais imaginei. É preciso, pois, que eu concorde que não poderia mesmo conceber pela imaginação o que é essa cera e que somente meu entendimento é quem o concebe; digo este pedaço de cera em particular, pois para a cera em geral é ainda mais evidente. Ora, qual é este cera que não pode ser concebida senão pelo entendimento ou pelo espírito? Certamente é a mesma que vejo, que toco, que imagino e a mesma que conhecia desde o começo. Mas o que é de notar é que sua percepção, ou a ação pela qual é percebida, não é uma visão, nem um tatear, nem uma imaginação, e jamais o foi, embora assim o parecesse anteriormente, mas somente uma inspeção do espírito, que pode se imperfeita e confusa, como era antes, ou clara e distinta, como é presentemente, conforme minha atenção se dirija mais ou menos às coisas que existem nela e das quais é composta.” (René Descartes, Meditações.)

  • Agosto foi o mês de lançamento de meu livro Por que pensar assim? Uma introdução à filosofia, disponível no site da editora, na Amazon e em outros canais. Neste mês inicial, tive oportunidades felizes de apresentá-lo a colegas, amigos e também a pessoas que não mantêm um contato profissional ou mais sistemático com a filosofia. Gostaria de registrar aqui um pouco do que tenho falado para contextualizar o material e também do que tenho ouvido em retorno.

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  • Estou relendo o artigo “Reciprocal Effects Between Adolescent Externalizing Problems and Measures of Achievement“, escrito por Friederike Zimmermann e um grupo de pesquisadores alemães. A pesquisa investiga a relação entre desempenho acadêmico e comportamentos agressivos (também chamados de problemas de externalização). A correlação entre os dois domínios é reconhecida e explorada pelo menos desde o início do século XX.

    Professora e alunos.
    Foto de National Cancer Institute na Unsplash
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  • Em janeiro de 2023, iniciei um projeto que não sabia quando nem como poderia finalizar. Foi um projeto de férias. Esperava avançar com ele durante o ano letivo, mas isso não aconteceu. Repeti a receita em 2024 e o resultado foi o mesmo: um pouco de avanço e nova interrupção.

    Caneta a escrever.
    Foto de Aaron Burden na Unsplash
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  • Previamente, tratamos de Homero e Hesíodo e de alguns filósofos pré-socráticos. Desta vez, falamos sobre Sócrates a partir da Apologia de Sócrates, escrita por Platão. Os principais elementos do contexto da vida e filosofia socrática são o advento da democracia ateniense e o movimento dos chamados sofistas.

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  • Ao longo dos três últimos anos monitorei o tempo que gasto com tarefas do trabalho (com esta ferramenta), inicialmente de modo mais amplo e depois apenas com foco em atividades relacionadas à pesquisa. Os objetivos iniciais do monitoramento combinavam um pouco curiosidade e busca de autoconhecimento, a necessidade de manter um registro para relatórios ao final do semestre e também uma pretensão de entender em que medida a atividade de pesquisa era compatível com a carreira de professor de um instituto federal.

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  • Esta semana dá sequência à atividade introdutória sobre Homero e Hesíodo. Desta vez, tratamos dos chamados filósofos pré-socráticos. A seguir temos um conjunto de informações para contextualização sobre o período (alguns nomes, datas e principais temas), algumas citações sobre o termo grego ‘physis’, que é central no período e uma seleção de fragmentos do filósofo Heráclito. Há algumas sugestões de leituras adicionais ao final.

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  • Estou organizando um conjunto de atividades extracurriculares. Uma delas é voltada à leitura de fragmentos de textos clássicos da filosofia. Postarei a sequência de atividades aqui, como forma de registro e disponibilização dos materiais a serem trabalhados.

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  • Trabalho com vários estudantes que têm algum tipo de diagnóstico que justifica um tratamento pedagógico diferenciado para sua aprendizagem. Na maioria desses casos, os estudantes apresentam dificuldades que exigem algum tipo de suporte especial. Nenhum dos estudantes com que trabalho atualmente apresentou diagnóstico de altas habilidades ou superdotação. Ainda assim, dependendo da definição utilizada, entre 2% e 5% da população se enquadra nessas condições.

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  • É comum repetir em contextos educacionais que cada pessoa é diferente, cada criança é diferente, cada adolescente é diferente. É difícil levar esse fato a sério, no lado dos professores e instituições de ensino, pois a escola como um todo é pensada a partir da regra, dos padrões e das repetições. A sala tem trinta estudantes; a sala ao lado mais trinta que estão no mesmo ano, no mesmo curso; o professor, o quadro, o datashow são um só e são difíceis de dividir.

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